Refavela
Refavela: Refazenda (1975), Refavela (1977) Refestança (1977, ao vivo com Rita Lee) e Realce 1979 são álbuns extraordinários de Gilberto Gil e compõem a série Re.
O cantor e compositor ainda planejou um quinto nessa linha, mas ”Rebento’, que lhe daria o título, acabou incorporada ao último trabalho desse Re sequencial. Pena. Trata-se de uma canção belíssima e dúbia, apropriada a um disco conceitual, tão comum à época. Nela, a palavra rebento faz um movimento pendular entre nascimento e rompimento. De qualquer forma, Re sugere uma discussão sobre qual dos quatro mereceria um livro.
Refavela: Maurício Barros de Castro
O escritor e pesquisador Maurício Barros de Castro não teve dúvidas em escolher Refavela, em que o conjunto de dez faixas merece o rótulo de discaço, seja em que plataforma for. O Gil da fazenda e da introspeção dá lugar a um Gil do batuque, do africanismo e da provocação.
Mais solto, foi um tanto moleque ao gravar o bossa-novista ”Samba do avião”, de Tom Jobim, e transformá-lo numa brincadeira rítmica de bom gosto. Atua também como intérprete em ”Ile Aiyê”, de Paulinho Camafeu, e faz chover, em meio a tambores, ao cantar os versos ”branco, se você soubesse o valor que o preto tem, tu tomava banho de piche, branco, ficava preto também”.
O autor de ”Gilberto Gil: Refavela”, da editora Cobogó, mantém nas páginas a atmosfera das músicas e as transporta para o momento histórico, quando da consolidação da passagem de um Brasil mais rural para outro visceralmente urbano, em que o sonho de um morador da favela pode ser o de mudar para um ilusório bloco do BNH, como retrata a canção-titulo.
O livro leva o leitor à viagem de Gil a Nigéria, que acentuou a negritude do disco, desembarca na ditadura militar brasileira e faz um pouso certeiro na radicalização das intenções tropicalistas.
E melhor: (re) conduz o leitor a novas audições de uma obra-prima que, a despeito de um tempo sombrio, brinca genialmente com o tempo e o espaço na afirmação de que ”o melhor lugar do mundo é aqui e agora”.
O Autor – Refavela
Maurício Barros de Castro é escritor, pesquisador, doutor em História pela USP, professor do Instituto de Artes e do Programa de Pós-Graduação em Artes da UERJ. É autor de Zicartola: política e samba na casa de Cartola e Dona Zica (2ª ed., 2013) e Estácio: vidas e obras (2013), com Bernardo Vilhena. Entre 2013 e 2014, viajou por nove países africanos para percorrer os lugares de memória da escravidão na África, uma aventura que resultou no livro Do outro lado (2014), com Ana Maria Gonçalves e Cesar Fraga. Também participou da coletânea de crônicas O meu lugar (2015), organizada por Luiz Antônio Simas e Marcelo Moutinho.