O Osso: Poder e Permissão

O Osso: Poder e Permissão

O Osso: Poder e Permissão – Romance da escritora paulistana Erika Balbino, ‘O Osso: Poder e Permissão’ é uma obra de ‘ficção-realidade’, captando pontos da vida na metrópole por meio de personagens fictícios e outros que a autora admira. Trata-se da vida retratada, de fato, na ficção.

O Osso: Poder e Permissão

A autora estreou na literatura em 2014, pela Editora Peirópolis, com “Num Tronco de Iroko Vi a Iúna Cantar”, título voltado ao público infanto-juvenil com 3 mil exemplares esgotados.

Segundo livro da escritora Erika Balbino reúne relatos da vida paulistana e as dissonâncias pela sobrevivência na metrópole  

“Periferia é periferia em qualquer lugar…”

Essa frase, que muitos a atribuem aos meus irmãos dos Racionais Mcs, está eternizada no disco “Dia a Dia da Periferia”, gravado em 1993 e de minha autoria. A música em que ela aparece é bastante conhecida, “Brasília Periferia”.

A escritora Erika Balbino confirma que a frase é realidade, pois seu livro, “O Osso – Permissão e Poder”, leva moradores e admiradores a conhecer um pouco mais sobre as gambiarras do cotidiano das comunidades periféricas da Zona Sul da capital paulista, retratando, fielmente, o cotidiano das regiões periféricas do Distrito Federal  e do Brasil.

Obra de ficção? Mera coincidência?

Assistir a si mesmo: milagre da consciência…”. – o Rapper GOG, no prefácio  de O Osso: Poder e Permissão

“Painel que no romance se expressa como microcosmo da urbanidade brasileira socialmente desigual e excludente, cuja mobilidade histórica é osso duro de roer, sendo mobilidade no mais das vezes contida pelo poder dos setores dominantes da sociedade, mobilidade que, se existe, acontece como permissão controlada.” – o escritor e professor José Arrabal, na introdução

São Paulo serve como palco de contradições e junções pouco óbvias. Cidade protagonista de si mesma. Captar as suas posturas sociais, políticas e culturais é um exercício constante realizado pela autora. Colocar em evidência o que está à sombra e à margem é o que motivou Erika Balbino a se debruçar nos personagens expostos, e relatar, a seu modo, o efeito que a metrópole, mesmo quando em silêncio, exerce sobre seus cidadãos.

Nesta nova obra, com prefácio do rapper GOG, apresentação do escritor, tradutor e professor José Arrabal e fotos de Gal Oppido, “O Osso: Poder e Permissão” é uma grande crônica com capítulos curtos que costuram as andanças e pensamentos de personagens da fictícia favela do Canhão, no extremo sul de São Paulo. Nos itinerários e nas travessias do livro, um cenário de relações em transporte público, corporações, rodas de capoeira e territórios sagrados.

A nova obra

Só agora compartilhado, o tempo manteve a habilidade de roteirista (de formação) que produz instantâneos fotográficos do tempo, a linguagem coloquial da narrativa convoca alegorias que vestem uma São Paulo como um microcosmo de luta pela sobrevivência: os botecos, pontos de encontros de desvios da solidão e da vida “osso duro de roer”; as igrejas neopentecostais e seus pastores, os terreiros de umbanda, os arranha-céus neoliberais e prepotentes e os casarões de famílias quatrocentonas bandeirantes, cortando a paisagem natural da capital caipira, de quadras de futebol improvisadas, as rodas de capoeira e suas palmas clamando por espaço em uma urbe que renega, desde a sua modernização, a herança e contribuição negra e indígena da pauliceia, receptáculos de sonhos nas passarelas do samba e nas suas quadras aquebrantadas, incrustadas debaixo de viadutos, os muros pichados e grafitados que marcam território e vislumbram potências estéticas de signos, as viagens diárias no aperto do Metropolitano, a apropriação de território, o hedonismo da noite, um homem cansado e sua fiel cadela. 

Redenção – O Osso: Poder e Permissão

Moradora desde a infância do Bosque da Saúde (bairro da Zona Sul), a escritora transcreve os acontecimentos narrativos com situações trágicas, cômicas, perversas e afetivas. Numa trama de pontuações duras, as histórias – aparentemente independentes no tempo e no espaço – traçam percursos próprios para se encontrarem numa viela que sinaliza um triplo impasse: a sujeição produzida pela miséria – material e espiritual –, a redenção como projeto de uma vida outra –, a insurreição do grito de alerta, da insurgência. A metáfora do ato de costurar tramas não é gratuita.

Filha de mãe costureira, Erika capta a essência do significado de texto, que, nas línguas de origem latina, serve para designar, também, tecido: a trama e a urdidura, como no trabalho de Penélope: o esquecer e o lembrar, a origem e a condição que constroem identidades, signos, gestos, levantes, poesias, cânticos e questionamentos.

Fragilidade e resiliência humana –  O Osso: Poder e Permissão

Mostrando o avesso deste tecido – o poder e a permissão –, que não deixa de ser tecido, a fragilidade humana e sua capacidade de resiliência se interpõem a qualquer possibilidade de um juízo moral antecipado, a dor e a alegria não são apenas escolhas da alma humana, mas um tênue fio que a qualquer momento pode ser interrompido por um sistema opressor, por um amor mal fadado, por uma sina da vida que não cessa de impor escolhas e decisões, por um simples trem do metrô que se atrasa.

Como num jogo de pergunta e resposta, os segundos sinalizam a cadência entre vida e morte – entre esquivas e negaças do jogo da capoeira, uma paixão da autora – para que lembremos as palavras do sermão do padre Antônio Vieira, como se fosse uma ladainha – que ilumina o meio do romance:

“Se já somos pó, qual a diferença existente entre vivos e mortos? Os vivos são o pó levantado pelo vento, os mortos são o pó caído. (…) Nas Escrituras, levantar é viver, cair é morrer”. 

ERIKA BALBINO por Gal Oppino

Erika Balbino por Gal Oppido

gíria?

O osso é gíria, mas pode ser compreendida, na totalidade do romance, como um pedaço ínfimo da complexa arquitetura de um corpo (social), uma não máscara, quando retiramos a maciez confortável da aparência, a carne, e decidimos com lucidez e certa desconfiança entre o poder ou a permissão por meio de nosso instinto homem social.

ERIKA BALBINO

Paulistana do bairro Bosque da Saúde, formou-se em Cinema com especialização em Roteiro na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e é pós-graduada em Mídia, Informação e Cultura pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), da Universidade de São Paulo (USP).

Além de seu envolvimento com a cultura afro-brasileira, é uma apaixonada por capoeira, prática que permeou sua vida por quinze anos. Desde 2006, desenvolve projeto de pesquisa sobre essa prática na capital paulista. É autora do infanto-juvenil “Num Tronco de Iroko Vi a Iúna Cantar”, lançado em 2014 pela Editora Peirópolis.

Comentários (facebook)